JONAS, O CRIMINOSO
Segunda-feira à tarde, Jonas saiu de casa disposto a cometer um crime, só não sabia qual. Pensou num estelionato, anunciando a um idiota qualquer que possuía um bilhete premiado, que queria vendê-lo por uma bagatela, porque teria de viajar com urgência. O problema era que, desde as aulas de teatro da 2ª série, seus papéis sempre foram de pedra, árvore ou coruja. Seria um fracasso no papel de trambiqueiro.
Assaltar uma velhinha, anunciando a clássica frase "a bolsa ou a vida" nem pensar; quando conversava com um desconhecido, gaguejava tanto que suas frases não iam além da terceira sílaba. Bater carteira dentro de um ônibus lotado também não; suas mãos tremeriam tanto que jamais se encaixariam no apertado bolso traseiro de uma calça.
Ocorreu-lhe então a idéia de um estupro, mas era extremamente tímido com as mulheres. Se com as conhecidas só funcionava na meia-bomba, imagine então com uma estranha. Nem duas cartelas de viagra o salvariam de um vexame.
Homicídio. Sim, esse seria um belo crime. Mas como rasgaria alguém de ponta a ponta com um punhal se mal conseguia cortar uma cenoura em rodelinhas? Como mataria alguém com um revólver se qualquer tipo de estrondo, até o espocar de uma bexiga, desencadeava nele uma profunda crise nervosa?
Desapontado com a sua incompetência, Jonas caminhava por uma larga avenida quando chamou sua atenção um cartaz, colocado na parede de um bar, com belos desenhos de animais do jogo do bicho. Apreciava os desenhos, quando notou um pequeno pedaço de papel no chão e abaixou-se para apanhá-lo. Mal o recolheu, um ensurdecedor barulho de sirene quase o matou de susto.
"Mão na cabeça, vagabundo! Não sabe que fazer jogo de bicho é ilegal? Dá aqui essa aposta", disse o policial grandalhão, tomando-lhe o papel.
Ao invés de explicar o equívoco, Jonas começou a gritar feito louco:
"Viva, viva, viva!!! Finalmente cometi um crime. Agora sou um homem digno, que faz alguma diferença para a humanidade. Leve-me já pra delegacia. Terei imenso prazer em ser algemado, andar de camburão e ficar num xadrez sujo e fedorento, convivendo com a escória da sociedade, da qual agora faço parte."
No distrito policial, o delegado foi taxativo:
"Senhor João Jonas dos Santos, o senhor responderá ao processo em liberdade e não ficará preso. Ao final, pagará uma cesta básica a uma instituição de caridade e tudo bem."
"Mas como tudo bem?! Eu precisava cometer um crime e agora que consegui, o senhor vai me liberando assim, sem mais nem menos?"
" Tecnicamente o senhor não cometeu um crime, e sim uma contravenção, que é algo bem menor, quase sem importância nos dias de hoje..."
"Algo menor?! Quase sem importância?!?!?!"
Inconformado, Jonas foi até o parapeito do 3º andar, onde ficava a sala do delegado, e anunciou:
"Eu vou pular, eu vou pular...vou pular e cometerei o crime de suicídio."
"Suicídio não é crime", gritou o delegado, "pois com você morto não teríamos a quem punir."
"E se eu não morrer?", berrou Jonas, explodindo em prantos.
"A tentativa de suicídio também não é punida na legislação brasileira", bradou o delegado.
Humilhado, Jonas não hesitou, e pulou. No trajeto, colidiu com o toldo de uma loja e estatelou-se no chão. Ergueu a cabeça e viu perto de si o policial grandalhão, contendo o choro e dizendo, emocionado e com a voz embargada:
"Sou estudante de direito, e você danificou o toldo da loja. Além de ressarcir o prejuízo financeiro, há no código penal um crime chamado "crime de dano"...
Quando Jonas esboçava um sorriso, chegou o delegado, interrompendo o policial e dizendo, em tom professoral:
"O soldado Nascimento está certo, senhor Jonas, o crime de dano existe. Porém, só quando é cometido com intenção, com dolo, que é como se diz no direito. Lamento informá-lo mas, tecnicamente, o senhor não cometeu crime algum."
"Tecnicamente eu sempre serei um bosta", murmurou Jonas, antes do último suspiro.